quarta-feira, 27 de abril de 2011

Um segundo

Eu só quero um segundo da tua atenção. Agora. Porque se demorar um segundo, já não será mais preciso. Um segundo antes de eu girar a chave da porta da minha casa no início da noite gelada desta terça-feira eu jamais imaginava que um segundo depois, uma recordação ainda não estampada se estilhaçaria em pedaços de vidros pelo chão. E hoje, no segundo depois do giro da chave, foi que eu percebi que em um segundo pode-se fazer várias coisas, dizer, se arrepender, surpreender, morrer, ou que às vezes, a inércia do cérebro humano não é capaz de ter uma reação mais ágil que um segundo.
Minha falta de destreza derrubou no chão, hoje, um porta-retrato bastante estimado, que ainda estava sem foto, porque o registro que o estamparia deveria ser muito especial: o afresco de momentos de felicidade, que ainda não foram revelados, tão distantes neste longínquo planalto que hoje eu habito.
Primeiro percebi o som dos cacos, que ecoaram durante um segundo apenas. E no chão já jazia a expressão ‘amigos para sempre’ dispersa feito quebra-cabeça. Creio que seguirei por um bom tempo recuperando cada pó, que um dia foi areia, do vidro, espelho da minha vida. Reflexo que hoje não mostra a pintura da aquarela que eu rabisquei.

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