Os esquecidos na gaveta
Frango ao molho de manchete
Os detalhes é que apaixonam. A sutileza da arte de cozinhar, o alho picado, o grão de tempero, o cheiro. Uma das coisas que a faculdade me ensinou foi não passar fome. A façanha que a vida te doutrina em fazer a limonada, se ela lhe der limões. Foram muitos bifes e arroz queimados, carnes salgadas, massas grudentas. Como tudo na vida, a gente aprende devagarzinho e não há orgulho maior do que sentir que a criação se aperfeiçoa a cada dia, a cada detalhe.
Assim também é o jornalismo. A cada texto se tem a noção de que se sabe fazer melhor, a cada linha. Um texto redondo é como um filho bonito posto no mundo. Tá bom, eu sei, ainda não coloquei filho no mundo e acredito que a sensação deva ser outra. Mas enfim... É muito saudável quando se percebe que ao longo de cada tortuoso dia a sua criação se torna mais esculpida, vira foto da capa, vira manchete.
Mas, falávamos de comida. Minhas receitas, hoje em dia, já não são um desastre. Tudo começa no riscar do fósforo, que exala uma fumaça que me deixa sem ar por um segundo. A chama azul ofusca, e depois que encontro novamente o foco do meu astigmatismo, despejo o fio de óleo no fundo da panela. O pedaço do que um dia foi uma galinha ou galo, escorrega na mão, deixando a palma picante, tingida de curry. O que mais gosto é o que mais exala, o alho. Os grandes pedaços devem sentir o fio dos dentes, depois. O frigir começa, respingando meu fogão de asas com gordura.
E aos poucos, o cheiro invade a cozinha, a sala, a casa inteira, perfumando as roupas jogadas na cama, se transformando em melodia do silêncio que se projeta, rebate nas paredes e retorna com força ainda maior. Um prato e dois talheres: a charge da solidão.
A degustação deve ser rápida, para que a imagem do almoço em família, com muitos gritos, bacia de salada sendo passada para lá e para cá, por cima das cabeças, o pedido para encher o copo de refrigerante, o tilintar de dezenas de garfos afoitos, não invada totalmente a minha cabeça.
Deito na cama, fecho os olhos, canto uma canção qualquer que me faça suspirar, sinto nas mãos a fragrância condimentada e, no alto, vejo a revoada de origamis multicoloridos que se movem lentamente, me fazendo companhia.
Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e o pensamento lá em você...
Chove na terra da hospitalidade. O céu cinza só me avisa que estou longe de quem dividiria o guarda-chuva comigo. A massa de ar polar traz com ela uma nostalgia, em puxar para fora do armário os cachecóis e gorros. Poderia estar lendo um livro, sim. Preenchendo os espaços vazios da minha cabeça com conteúdo e inspiração.
Mas não. A minha frente, a velha TV exibe o que eu chamaria de suprassumo da futilidade, Big Brother Brasil. Confesso que acompanhei o programa em seu desenrolar, por mais irreal e falso que ele me pareça. Pois a preguiça de fazer qualquer outra coisa que me exigiria sair do conforto da cama era maior do que eu...(...)...
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