terça-feira, 31 de agosto de 2010

Meu primeiro dia chuvoso carazinhense

30/08/10 – 22h05min
Meu primeiro dia chuvoso não foi o primeiro dia de chuva. Mas foi o primeiro dia que a chuva carazinhense me molhou. Meu dia iniciou irritado, como vem iniciando ultimamente, variando entre irritação, solidão, tristeza. Agosto é o inferno astral do meu zodíaco, só pode. Atrasei-me no trabalho e no caminho as primeiras gotas da chuva foram celebradas por mim com entusiasmo. A seca, deve ser a seca que está me perturbando. A chuvinha era fraca, mas mesmo assim insisti em abrir meu guarda-chuva de luto e caminhei imponente, pois este era meu primeiro dia chuvoso carazinhense.
Há um mês vivo nesta cidade e já consigo me acostumar ao trânsito apressado. Diferentemente de Fredephalen Westerico, onde mal encostávamos o pé na faixa e os carros já estavam parados, nos esperando passar. O trem me acorda às vezes durante a noite, mas gosto do clima antigo que os trilhos trazem à cidade. Um dia quero caminhar sobre eles e a cena ficará preto e branco e um blues virá de um lugar distante.
Hoje já não tenho medo de voltar para casa à noite sozinha. As ruas já sabem os acordes que meus passos vagarosos fazem enquanto tropeço. E cheguei a uma conclusão. Realmente o plantão acaba com a vida do ser humano. Hoje é meu primeiro dia chuvoso carazinhense e o último dia do meu plantão. E é por isso que estou aqui, escrevendo, pois se não estaria telefonando para cerca de 11 números, entre polícia, bombeiros, etc., e ouvindo um: ‘não, hoje ta tudo calmo, sem nenhuma ocorrência. Boa noite e bom trabalho’.
Ando aprendendo diversas coisas sobre a vida e sobre mim mesma também. Que os repórteres devem andar conforme a banda dos anúncios vendidos toca. E que no começo se escreve muita matéria sobre aquela empresa que faz caridade pensando na promoção diante a sociedade. Confesso, essa semana que passou cheguei a pensar que havia feito a escolha errada sobre a profissão. Conforme se escuta pelos corredores, a culpa é sempre da redação. Cheguei a pensar que deveria ter sonhado em ser escritora. Mas o plantão ‘lindo da dinda’ acabou e até inspiração e tempo para escrever me sobra agora.
Ontem me peguei olhando mais uma vez para a seleção de fotos da faculdade. Mesmo sendo a melhor época da minha vida, os quatro anos vividos na longínqua Fredephalen, cogitei a possibilidade de que deveria ter vivido-os mais intensamente. Senti muita falta dentro de mim de tanta coisa que fazíamos. Queria vivê-los novamente. Queria acordar tarde, almoçar PL na praça preparado caprichosamente nos latões de lixo, depois dar uma sesteada e acordar a tempo de assistir Sinhá Moça. De tardinha um mate na praça ou bergamotas na calçada da baixada. Logo depois, um joguinho e polar no Fréo. Pra fechar com chave de ouro uma rodada de truco e de mímica na praça novamente, regada a Ninoff é claro. Queria poder viver naquele tempo para sempre. O povoado ficou para trás. Mas, para que nunca mais se esqueçam das ‘loucas da cidade’ penduramos agora, nas paredes que ajudamos a construir, um quadro de memórias, que só os puros de coração conseguem decifrar. Por que entre os corações que tatuarei, de vocês jamais esquecerei.
Mas, peço-lhes a permissão para agora abrir um parêntese.
(Eis que o grande dia deu-se por concretizado. O chapéu tocou o teto, o brinde tilintou e a valsa rodopiou. Graduados somos. ‘Com uma ajudinha dos nossos amigos’ entramos relis rebeldes e saímos renomados pioneiros. Não consegui emocionar-me. Estava tão absorta que nem minha trilha sonora consegui ouvir. Foi tudo tão, tão, tão surreal. Não era comigo. Mas era. E querendo ou não o dia de São Pega já estava logo ali. A segunda chegou e tudo ficou guardado na fotografia, junto com os laços invisíveis que havia. Sempre que posso agora dou uma espiadela no baú para soluçar a vida que soubemos viver.)
Mas meu primeiro dia chuvoso carazinhense chegou ao fim e não caía chuva nesse momento. O vento soprava dando boas vindas e fazendo os braços cruzarem-se desprevenidos. As ruas ouviram mais uma vez o soar do meu solado e com um graveto entre os dentes, fui recebida. ‘Feche os olhos para dormir, de um dia tão trabalhoso. Amanhã você vai trabalhar de novo’.

2 comentários:

  1. Que lindo priii!!
    Parece que senti cada palavra tua, que vivi cada passo descrito, só não senti a chuva carazinhense, mas a taperense...
    Sinto saudades de um tempo que vivi de fato, em que os sonhos eram maiores que a realidade que vivemos agora, e pareciam tão distantes...
    Agora a vida real chegou, e as meninas da baixada agora são jornalistas... Jornalistas que trabalham pro mundo capitalista! A liberdade de fazer o que quiséssemos, sem horário, sem grandes preocupações, e de escrever e criar ao mesmo tempo, sem censura, ficou pra trás! Ow shit!

    Morro de saudades!!!

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  2. Bah, que saudade de ti...
    Putz, tu tá em CARAZINHO! Gente, como a gente dá umas voltas sem sentido mesmo. Falando em "voltas", eu voltei para Cruz Alta. Compartilho contigo a sensação de solidão numa cidade velha onde ainda se escuta o trem.

    Beijo!

    Ah, e visita meu blog novo: http://dasartesimpuras.blogspot.com

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