terça-feira, 31 de agosto de 2010

A menina roubou meu livro

Ninguém melhor do que nós jornalistas sabe que causo velho só serve para enrolar peixe fresco. Mas confesso que dói pensar em deletar um texto só porque ele envelheceu. Devido a isso segue abaixo um texto velho, mas que sofreu tanto com a correria do dia a dia, sendo escrito em três etapas, que merece ser publicado e socializado com os leitores deste blog.

02/08/2010 22h57min
Há dias que algo consome minha vida e pensamentos: tenho dentro de mim a angústia de ter um livro extraviado. E o problema, caro Carpinejar, não está relacionado ao descaso da pessoa, a qual foi concedido o empréstimo, em devolver a obra. O problema é que minha memória enfraqueceu-se e simplesmente não consigo me recordar para quem foi que o emprestei. O melhor livro que já li até o momento. O melhor porque não li ainda todas as obras clássicas e fantásticas que gostaria. Mas o livro mais tocante, com certeza. Enfim, estou decepcionada. Toda vez que cruzo a vitrine da loja de livros, vejo-o estendido exibindo-se, como se soubesse que eu estou a sua procura.
Pela primeira vez escrevo para o blog usando folha de papel e caneta. Parece que os áureos tempos de minhas avós voltaram à tona, quando elas escreviam, naquelas folhas amareladas, os acontecimentos que teceram o seu dia.
Se na última postagem muitas coisas haviam acontecido, nesta tantas outras se farão presentes, com desfechos, resultados e soluções. E foi por causa desta conturbação de boas novas, que muitas vezes pensei em escrever, mas o tempo conspirou contra. Um turbilhão de acontecimentos e preocupações para preencher meu tempo livre. Mas, dentre os fatos ocorridos, um assunto perseguia-me. O desaparecimento do meu livro preferido. A menina que roubava livros.
Há duas semanas iniciei o treinamento para o Censo 2010. Uma semana de lavagem cerebral sobre a tarefa de contar o país. A caminho do treinamento, remando contra o minuano que pinta nosso extremo de um gelo arrepiado, constato que não é mortal aquele que nunca emprestou um livro e não o teve de volta.
Simare me contava que, assim como eu, o melhor livro que um dia ela teve, virou saudade nas mãos de um ladrão de histórias. O livro tinha de tudo; didático, ele falava sobre diversas áreas. Até um enorme Atlas acompanhava-o, como contou-me Simare enquanto cada pedacinho de terra e água surgia na sua mente. Ela emprestou e nunca mais viu a cor dos mapas...(...)...

08/08/2010 – 23h17min
Alguns dias se passaram e ainda não consegui contar a minha história. Hoje sinto mais facilidade em por na tela do computador o que sinto. Infelizmente a tecnologia viciou minha cabeça na hora de escrever. Quando usei o papel me senti tão mal por não refletir o suficiente antes de sujar o branco da folha. Precisei acrescentar coisas, compor um início diferente, e não tinha acesso ao ‘del’ ou qualquer outra coisa que desse-me a liberdade de modificar. Mas agora volto à companhia do meu personal computer e somado ao som de coisas boas, a destreza das palavras escorrega mais fácil.
Mas eu ia dizendo, que Simare nunca recuperou sua enciclopédia, e eu já estava cansada e triste de tanto calcular na gaveta de quem meu livro poderia estar.
Hoje a vida mudou de direção. Depois de quatro anos seguindo à esquerda do trevo, sigo a direita. Meu bonde sai mais cedo e tenho cerca de quinze minutos a mais de viagem. Ainda não tenho minha cozinha para fazer terapia, mas pelo menos não estou nas estatísticas do companheiro da Silva. É, os ventos mudaram e eu virei gente. Adicionei ao itinerário da vida mais um ponto do GPS.

16/08/2010 – 21h19min
Mais dias se passaram, mais coisas aconteceram e assim mais detalhes da minha história foram se perdendo. Pela terceira vez paro para escrever no blog e realmente não posso dar-lhes a certeza que hoje conseguirei contar tudo o que pretendia. Trocando em miúdos, antes que troque o ano e eu não consiga terminar essa postagem, finalmente encontrei a menina que roubou meu livro. É uma menininha sardenta e simpática, de apelido Chuchu. Chuchu também havia esquecido-se do empréstimo e numa conversa despretensiosa de fim de tarde, regada a um mate cevado, enquanto me lamuriava pela tristeza que sentia devido a falta que aquela menina me fazia, Chuchu arregalou-se e disse: mas a menina está comigo! E de repente, não mais que de repente, do pranto fez-se riso. Ufa, meu coração pôde agora sossegar tranquilamente.

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