Ninguém melhor do que nós jornalistas sabe que causo velho só serve para enrolar peixe fresco. Mas confesso que dói pensar em deletar um texto só porque ele envelheceu. Devido a isso segue abaixo um texto velho, mas que sofreu tanto com a correria do dia a dia, sendo escrito em três etapas, que merece ser publicado e socializado com os leitores deste blog.
02/08/2010 22h57min
Há dias que algo consome minha vida e pensamentos: tenho dentro de mim a angústia de ter um livro extraviado. E o problema, caro Carpinejar, não está relacionado ao descaso da pessoa, a qual foi concedido o empréstimo, em devolver a obra. O problema é que minha memória enfraqueceu-se e simplesmente não consigo me recordar para quem foi que o emprestei. O melhor livro que já li até o momento. O melhor porque não li ainda todas as obras clássicas e fantásticas que gostaria. Mas o livro mais tocante, com certeza. Enfim, estou decepcionada. Toda vez que cruzo a vitrine da loja de livros, vejo-o estendido exibindo-se, como se soubesse que eu estou a sua procura.
Pela primeira vez escrevo para o blog usando folha de papel e caneta. Parece que os áureos tempos de minhas avós voltaram à tona, quando elas escreviam, naquelas folhas amareladas, os acontecimentos que teceram o seu dia.
Se na última postagem muitas coisas haviam acontecido, nesta tantas outras se farão presentes, com desfechos, resultados e soluções. E foi por causa desta conturbação de boas novas, que muitas vezes pensei em escrever, mas o tempo conspirou contra. Um turbilhão de acontecimentos e preocupações para preencher meu tempo livre. Mas, dentre os fatos ocorridos, um assunto perseguia-me. O desaparecimento do meu livro preferido. A menina que roubava livros.
Há duas semanas iniciei o treinamento para o Censo 2010. Uma semana de lavagem cerebral sobre a tarefa de contar o país. A caminho do treinamento, remando contra o minuano que pinta nosso extremo de um gelo arrepiado, constato que não é mortal aquele que nunca emprestou um livro e não o teve de volta.
Simare me contava que, assim como eu, o melhor livro que um dia ela teve, virou saudade nas mãos de um ladrão de histórias. O livro tinha de tudo; didático, ele falava sobre diversas áreas. Até um enorme Atlas acompanhava-o, como contou-me Simare enquanto cada pedacinho de terra e água surgia na sua mente. Ela emprestou e nunca mais viu a cor dos mapas...(...)...
08/08/2010 – 23h17min
Alguns dias se passaram e ainda não consegui contar a minha história. Hoje sinto mais facilidade em por na tela do computador o que sinto. Infelizmente a tecnologia viciou minha cabeça na hora de escrever. Quando usei o papel me senti tão mal por não refletir o suficiente antes de sujar o branco da folha. Precisei acrescentar coisas, compor um início diferente, e não tinha acesso ao ‘del’ ou qualquer outra coisa que desse-me a liberdade de modificar. Mas agora volto à companhia do meu personal computer e somado ao som de coisas boas, a destreza das palavras escorrega mais fácil.
Mas eu ia dizendo, que Simare nunca recuperou sua enciclopédia, e eu já estava cansada e triste de tanto calcular na gaveta de quem meu livro poderia estar.
Hoje a vida mudou de direção. Depois de quatro anos seguindo à esquerda do trevo, sigo a direita. Meu bonde sai mais cedo e tenho cerca de quinze minutos a mais de viagem. Ainda não tenho minha cozinha para fazer terapia, mas pelo menos não estou nas estatísticas do companheiro da Silva. É, os ventos mudaram e eu virei gente. Adicionei ao itinerário da vida mais um ponto do GPS.
16/08/2010 – 21h19min
Mais dias se passaram, mais coisas aconteceram e assim mais detalhes da minha história foram se perdendo. Pela terceira vez paro para escrever no blog e realmente não posso dar-lhes a certeza que hoje conseguirei contar tudo o que pretendia. Trocando em miúdos, antes que troque o ano e eu não consiga terminar essa postagem, finalmente encontrei a menina que roubou meu livro. É uma menininha sardenta e simpática, de apelido Chuchu. Chuchu também havia esquecido-se do empréstimo e numa conversa despretensiosa de fim de tarde, regada a um mate cevado, enquanto me lamuriava pela tristeza que sentia devido a falta que aquela menina me fazia, Chuchu arregalou-se e disse: mas a menina está comigo! E de repente, não mais que de repente, do pranto fez-se riso. Ufa, meu coração pôde agora sossegar tranquilamente.
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