terça-feira, 21 de agosto de 2012

Ele quer ser punk

Enquanto meus coturnos fazem barulho nas pedras da rua Oswaldo Aranha, no Bonfin, vou caminhando e percebendo detalhes dos anos 80, conhecidos como a década perdida, devido as crises econômicas vividas na decadência da ditadura. Estou na esquina de uma rua cercada por bares de diversos públicos e me encontro também no início da década de 80, período marcado pelo fim da repressão e princípio de vários movimentos de rebeldia, entre eles a cultura punk.

Meu cabelo moicano, roupa rasgada repleta de correntes e joaninhas, para muitos representam meu lado mau. Mas a diferença é que não somos maus, apenas queremos que os outros nos vejam como maus. Algumas quadras a diante encontro adolescentes na frente do bar Ocidente bebendo leite com suco de limão. O objetivo disso é provocar o vômito. Outra coisa que adoramos fazer é queimar jornais e ficar olhando o fogo crepitar em uma mancha cuspida de vermelho vivo. Assim vive um punk.

Este nosso estilo de vida nasceu de três vertentes, vindas de três países diferentes. Surgiu por meados de 1975 como uma manifestação cultural juvenil. Nos EUA o punk é caracterizado pelo niilismo, sem envolvimento ideológico e partidário, com muitos aspectos da própria cultura americana. Na Alemanha o punk é de extrema direita e na Inglaterra marcado pelo anarquismo esquerdista. Mas existem todos os tipos de punks misturados em todos os lugares.

Ao longe ouço um som de poucos acordes, rasgando as esquinas, que vem da rua Tomaz Flores. Esse som vem diretamente da “fortaleza” dos Replicantes, ou simplesmente bunker como José Antônio Meira da Rocha prefere chamar. Meira, que diz ter um estilo diferente dos demais punks, usando roupas do tipo militar, é professor do curso de jornalismo do Cesnors e na sua juventude viveu e conviveu com essa cultura punk. “Minha irmã começou a andar com uns punks e eu comecei também”, disse. Bunker é o prédio onde Os Replicantes, famosa banda punk de Porto Alegre, ensaiam, moram e tem a produtora de vídeo Vortex. Misturado ao som dos Replicantes ouço também um som Krishna, quem vem embalando meus pensamentos, me levando pra longe daqui. Pois ao lado do bunker existe um templo de Hare Krishna e pelas ruas essas duas melodias vão valsando aos ouvidos dos mais atentos.

Segundo Meira, Os Replicantes injetaram um pouco de profissionalismo no pessoal dessa época. Pois o comum do punk rock são pessoas que não sabem tocar nenhum instrumento, mas os compram mesmo assim, formando a banda. Meira conta uma história, segundo ele antológica, de quando Eron Heinz comprou seu baixo, ele nem sabia que tinha quatro cordas. Meira conhece muito de perto toda essa galera. A irmã dele chegou a namorar o Cláudio Heinz, guitarra. “O Eron, baixo, foi o primeiro que me ensinou informática; a primeira vez que comprei um computador tive lições com ele”, falou.

Alguns passos e me esbarro em outro punk. Fones de ouvidos, no velho walkman toca um De Falla. Lembro-me da capa do LP deles produzida por Meira. “Uma capa tridimensional; até hoje tem gente vesga tentando enxergar a capa em 3 dimensões” (risos), relembrou.

Enquanto pessoas jogam-se das janelas do Ocidente por diversão, decido seguir meu caminho e chego à metade dos anos 80, mais precisamente em 1985. Fico sabendo de um festival de rock que irá acontecer no Colégio La Salle Santo Antônio. Rock Tonho é o nome. O organizador do evento: Luciano Miranda, 15 anos. Garoto muito envolvido na cultura punk, relacionado mais com o lado político e ideológico do movimento. “O rock é só um resultado da cultura, talvez um dos resultados mais secundários, porque existe um aspecto muito maior”, comenta Miranda. Luciano Miranda é hoje professor de Jornalismo do Cesnors e naquela época utilizava os meios de comunicação para expor as suas opiniões a respeito do sistema.

Em uma esquina da Oswaldo Aranha avisto páginas de um jornal que o vento acertou em cheio num vôo rasante. O Sombra é o nome. Jornal produzido por Miranda como forma de manifestar a negação aos sistemas tradicionais de representação. Enquanto o Brasil vive um período de redemocratização, para a juventude da época o sistema não representava alternativa alguma para uma transição democrática. Isso caracterizou o punk da metade dos anos 80, jovens politizados e anarquistas.

Ao longe ouço um som estranho, vários pares de sapatos fazendo tamborilar o chão em uma marcha compassada. Com um susto avisto duas massas de pessoas, uma em direção à outra. De um lado punks anarquistas, de outro, metaleiros de direita. A batalha campal estava começando. Socos, facas, gritos. “Quando aconteciam essas batalhas, existia sim a simples aversão de grupo, mas tinha a coisa ideológica também”, lembrou Miranda.

Miranda gosta muito da música punk rock, mas da boa música, como fala ele. “O que me seduz nas músicas é a atitude política, anarquista, que se percebe nas letras”, comentou. Mas a moda, o verniz do punk, segundo Miranda são características de fachada. Ele conta a história da mulher de Malcom McLaren, produtor da banda precursora do punk rock no mundo Sex Pistols, que ao perceber uma grande forma de ganhar dinheiro com a cultura eloqüente que surgia, criou a fashion punk. Um visual punk a ser explorado. “Tem que ver o que é genuinamente punk e o que é criado”, critica.

Os bares vão fechando, eu andando mais uns passos e os anos 80 acabando. As gerações vão crescendo, os anos 90 batendo a porta, novas bandas surgindo, como a The Mullets, com Luis Fernando Rabello Borges na guitarra base. Luís veio de Canoas para estudar, e também passou a freqüentar a Oswaldo Aranha.

A rua que caminho já não é mais a mesma, os bares onde os punks se encontravam na maioria não existem mais. Não se lê mais O Sombra e nem se vê punk bebendo leite com limão. Mas às vezes, se fecho meus olhos bem apertados, consigo ouvir Wadner Wildner entoando “Sábado todo, eu chorei de mágoa; Minha garota foi pra Manágua“.

Luis é também professor de Jornalismo do Cesnors, mas é mais conhecido como Coxa. Na Oswaldo Aranha de Coxa ainda existem shows de bandas punks. “Bandas amadoras, que não chegaram a lançar disco, banda de garagem, mais pra fazer barulho no fim de semana” lembrou.

Coxa partiu para a área acadêmica, porque segundo ele, a vida ia complicada, pelas arruaças e brigas. “Comecei a estudar para me distrair dessa anarquia, me civilizar”, fala.

A palavra liberdade na época não era facilmente entendida pelos punks. Se vivia uma rebeldia adolescente. A cultura punk fez sucesso porque veio ao encontro do jovem reprimido, que se vestia de preto. “Hoje em dia o cara deprimido vira ‘emo’”(risos), comenta Meira.

Atualmente a rebeldia já não é tão comum. As pessoas quando querem se mobilizar usam a Internet, pois esse canal de comunicação é barato e de fácil acesso de todos. Movimentos de ruas já não são tão necessários. “Antigamente se lutava contra o sistema e dentro do sistema. Agora se pode usar as ferramentas do sistema para fazer o seu próprio sistema”, argumenta Meira. Rebeldia é muito romântica, mas não leva a lugar nenhum.

Um comentário:

  1. Uau! Que saudade disso.. de fazer altas reportagens sobre um assunto que a gente gostasse! hehe.. Lembro que fazer essa matéria não foi muito esforço.. foi bom demais curtir uma tarde escutando os professores contarem como era POA no tempo deles, e sobre a música, as bandas, os estilos de cada tempo.. E misturando a criatividade poética da Pri e a minha objetividade resultou em algo mais que inesperado, simplesmtente psicodééélico.. Haha.. Bjos Pri!

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