30/08/10 – 22h05min
Meu primeiro dia chuvoso não foi o primeiro dia de chuva. Mas foi o primeiro dia que a chuva carazinhense me molhou. Meu dia iniciou irritado, como vem iniciando ultimamente, variando entre irritação, solidão, tristeza. Agosto é o inferno astral do meu zodíaco, só pode. Atrasei-me no trabalho e no caminho as primeiras gotas da chuva foram celebradas por mim com entusiasmo. A seca, deve ser a seca que está me perturbando. A chuvinha era fraca, mas mesmo assim insisti em abrir meu guarda-chuva de luto e caminhei imponente, pois este era meu primeiro dia chuvoso carazinhense.
Há um mês vivo nesta cidade e já consigo me acostumar ao trânsito apressado. Diferentemente de Fredephalen Westerico, onde mal encostávamos o pé na faixa e os carros já estavam parados, nos esperando passar. O trem me acorda às vezes durante a noite, mas gosto do clima antigo que os trilhos trazem à cidade. Um dia quero caminhar sobre eles e a cena ficará preto e branco e um blues virá de um lugar distante.
Hoje já não tenho medo de voltar para casa à noite sozinha. As ruas já sabem os acordes que meus passos vagarosos fazem enquanto tropeço. E cheguei a uma conclusão. Realmente o plantão acaba com a vida do ser humano. Hoje é meu primeiro dia chuvoso carazinhense e o último dia do meu plantão. E é por isso que estou aqui, escrevendo, pois se não estaria telefonando para cerca de 11 números, entre polícia, bombeiros, etc., e ouvindo um: ‘não, hoje ta tudo calmo, sem nenhuma ocorrência. Boa noite e bom trabalho’.
Ando aprendendo diversas coisas sobre a vida e sobre mim mesma também. Que os repórteres devem andar conforme a banda dos anúncios vendidos toca. E que no começo se escreve muita matéria sobre aquela empresa que faz caridade pensando na promoção diante a sociedade. Confesso, essa semana que passou cheguei a pensar que havia feito a escolha errada sobre a profissão. Conforme se escuta pelos corredores, a culpa é sempre da redação. Cheguei a pensar que deveria ter sonhado em ser escritora. Mas o plantão ‘lindo da dinda’ acabou e até inspiração e tempo para escrever me sobra agora.
Ontem me peguei olhando mais uma vez para a seleção de fotos da faculdade. Mesmo sendo a melhor época da minha vida, os quatro anos vividos na longínqua Fredephalen, cogitei a possibilidade de que deveria ter vivido-os mais intensamente. Senti muita falta dentro de mim de tanta coisa que fazíamos. Queria vivê-los novamente. Queria acordar tarde, almoçar PL na praça preparado caprichosamente nos latões de lixo, depois dar uma sesteada e acordar a tempo de assistir Sinhá Moça. De tardinha um mate na praça ou bergamotas na calçada da baixada. Logo depois, um joguinho e polar no Fréo. Pra fechar com chave de ouro uma rodada de truco e de mímica na praça novamente, regada a Ninoff é claro. Queria poder viver naquele tempo para sempre. O povoado ficou para trás. Mas, para que nunca mais se esqueçam das ‘loucas da cidade’ penduramos agora, nas paredes que ajudamos a construir, um quadro de memórias, que só os puros de coração conseguem decifrar. Por que entre os corações que tatuarei, de vocês jamais esquecerei.
Mas, peço-lhes a permissão para agora abrir um parêntese.
(Eis que o grande dia deu-se por concretizado. O chapéu tocou o teto, o brinde tilintou e a valsa rodopiou. Graduados somos. ‘Com uma ajudinha dos nossos amigos’ entramos relis rebeldes e saímos renomados pioneiros. Não consegui emocionar-me. Estava tão absorta que nem minha trilha sonora consegui ouvir. Foi tudo tão, tão, tão surreal. Não era comigo. Mas era. E querendo ou não o dia de São Pega já estava logo ali. A segunda chegou e tudo ficou guardado na fotografia, junto com os laços invisíveis que havia. Sempre que posso agora dou uma espiadela no baú para soluçar a vida que soubemos viver.)
Mas meu primeiro dia chuvoso carazinhense chegou ao fim e não caía chuva nesse momento. O vento soprava dando boas vindas e fazendo os braços cruzarem-se desprevenidos. As ruas ouviram mais uma vez o soar do meu solado e com um graveto entre os dentes, fui recebida. ‘Feche os olhos para dormir, de um dia tão trabalhoso. Amanhã você vai trabalhar de novo’.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
A menina roubou meu livro
Ninguém melhor do que nós jornalistas sabe que causo velho só serve para enrolar peixe fresco. Mas confesso que dói pensar em deletar um texto só porque ele envelheceu. Devido a isso segue abaixo um texto velho, mas que sofreu tanto com a correria do dia a dia, sendo escrito em três etapas, que merece ser publicado e socializado com os leitores deste blog.
02/08/2010 22h57min
Há dias que algo consome minha vida e pensamentos: tenho dentro de mim a angústia de ter um livro extraviado. E o problema, caro Carpinejar, não está relacionado ao descaso da pessoa, a qual foi concedido o empréstimo, em devolver a obra. O problema é que minha memória enfraqueceu-se e simplesmente não consigo me recordar para quem foi que o emprestei. O melhor livro que já li até o momento. O melhor porque não li ainda todas as obras clássicas e fantásticas que gostaria. Mas o livro mais tocante, com certeza. Enfim, estou decepcionada. Toda vez que cruzo a vitrine da loja de livros, vejo-o estendido exibindo-se, como se soubesse que eu estou a sua procura.
Pela primeira vez escrevo para o blog usando folha de papel e caneta. Parece que os áureos tempos de minhas avós voltaram à tona, quando elas escreviam, naquelas folhas amareladas, os acontecimentos que teceram o seu dia.
Se na última postagem muitas coisas haviam acontecido, nesta tantas outras se farão presentes, com desfechos, resultados e soluções. E foi por causa desta conturbação de boas novas, que muitas vezes pensei em escrever, mas o tempo conspirou contra. Um turbilhão de acontecimentos e preocupações para preencher meu tempo livre. Mas, dentre os fatos ocorridos, um assunto perseguia-me. O desaparecimento do meu livro preferido. A menina que roubava livros.
Há duas semanas iniciei o treinamento para o Censo 2010. Uma semana de lavagem cerebral sobre a tarefa de contar o país. A caminho do treinamento, remando contra o minuano que pinta nosso extremo de um gelo arrepiado, constato que não é mortal aquele que nunca emprestou um livro e não o teve de volta.
Simare me contava que, assim como eu, o melhor livro que um dia ela teve, virou saudade nas mãos de um ladrão de histórias. O livro tinha de tudo; didático, ele falava sobre diversas áreas. Até um enorme Atlas acompanhava-o, como contou-me Simare enquanto cada pedacinho de terra e água surgia na sua mente. Ela emprestou e nunca mais viu a cor dos mapas...(...)...
08/08/2010 – 23h17min
Alguns dias se passaram e ainda não consegui contar a minha história. Hoje sinto mais facilidade em por na tela do computador o que sinto. Infelizmente a tecnologia viciou minha cabeça na hora de escrever. Quando usei o papel me senti tão mal por não refletir o suficiente antes de sujar o branco da folha. Precisei acrescentar coisas, compor um início diferente, e não tinha acesso ao ‘del’ ou qualquer outra coisa que desse-me a liberdade de modificar. Mas agora volto à companhia do meu personal computer e somado ao som de coisas boas, a destreza das palavras escorrega mais fácil.
Mas eu ia dizendo, que Simare nunca recuperou sua enciclopédia, e eu já estava cansada e triste de tanto calcular na gaveta de quem meu livro poderia estar.
Hoje a vida mudou de direção. Depois de quatro anos seguindo à esquerda do trevo, sigo a direita. Meu bonde sai mais cedo e tenho cerca de quinze minutos a mais de viagem. Ainda não tenho minha cozinha para fazer terapia, mas pelo menos não estou nas estatísticas do companheiro da Silva. É, os ventos mudaram e eu virei gente. Adicionei ao itinerário da vida mais um ponto do GPS.
16/08/2010 – 21h19min
Mais dias se passaram, mais coisas aconteceram e assim mais detalhes da minha história foram se perdendo. Pela terceira vez paro para escrever no blog e realmente não posso dar-lhes a certeza que hoje conseguirei contar tudo o que pretendia. Trocando em miúdos, antes que troque o ano e eu não consiga terminar essa postagem, finalmente encontrei a menina que roubou meu livro. É uma menininha sardenta e simpática, de apelido Chuchu. Chuchu também havia esquecido-se do empréstimo e numa conversa despretensiosa de fim de tarde, regada a um mate cevado, enquanto me lamuriava pela tristeza que sentia devido a falta que aquela menina me fazia, Chuchu arregalou-se e disse: mas a menina está comigo! E de repente, não mais que de repente, do pranto fez-se riso. Ufa, meu coração pôde agora sossegar tranquilamente.
02/08/2010 22h57min
Há dias que algo consome minha vida e pensamentos: tenho dentro de mim a angústia de ter um livro extraviado. E o problema, caro Carpinejar, não está relacionado ao descaso da pessoa, a qual foi concedido o empréstimo, em devolver a obra. O problema é que minha memória enfraqueceu-se e simplesmente não consigo me recordar para quem foi que o emprestei. O melhor livro que já li até o momento. O melhor porque não li ainda todas as obras clássicas e fantásticas que gostaria. Mas o livro mais tocante, com certeza. Enfim, estou decepcionada. Toda vez que cruzo a vitrine da loja de livros, vejo-o estendido exibindo-se, como se soubesse que eu estou a sua procura.
Pela primeira vez escrevo para o blog usando folha de papel e caneta. Parece que os áureos tempos de minhas avós voltaram à tona, quando elas escreviam, naquelas folhas amareladas, os acontecimentos que teceram o seu dia.
Se na última postagem muitas coisas haviam acontecido, nesta tantas outras se farão presentes, com desfechos, resultados e soluções. E foi por causa desta conturbação de boas novas, que muitas vezes pensei em escrever, mas o tempo conspirou contra. Um turbilhão de acontecimentos e preocupações para preencher meu tempo livre. Mas, dentre os fatos ocorridos, um assunto perseguia-me. O desaparecimento do meu livro preferido. A menina que roubava livros.
Há duas semanas iniciei o treinamento para o Censo 2010. Uma semana de lavagem cerebral sobre a tarefa de contar o país. A caminho do treinamento, remando contra o minuano que pinta nosso extremo de um gelo arrepiado, constato que não é mortal aquele que nunca emprestou um livro e não o teve de volta.
Simare me contava que, assim como eu, o melhor livro que um dia ela teve, virou saudade nas mãos de um ladrão de histórias. O livro tinha de tudo; didático, ele falava sobre diversas áreas. Até um enorme Atlas acompanhava-o, como contou-me Simare enquanto cada pedacinho de terra e água surgia na sua mente. Ela emprestou e nunca mais viu a cor dos mapas...(...)...
08/08/2010 – 23h17min
Alguns dias se passaram e ainda não consegui contar a minha história. Hoje sinto mais facilidade em por na tela do computador o que sinto. Infelizmente a tecnologia viciou minha cabeça na hora de escrever. Quando usei o papel me senti tão mal por não refletir o suficiente antes de sujar o branco da folha. Precisei acrescentar coisas, compor um início diferente, e não tinha acesso ao ‘del’ ou qualquer outra coisa que desse-me a liberdade de modificar. Mas agora volto à companhia do meu personal computer e somado ao som de coisas boas, a destreza das palavras escorrega mais fácil.
Mas eu ia dizendo, que Simare nunca recuperou sua enciclopédia, e eu já estava cansada e triste de tanto calcular na gaveta de quem meu livro poderia estar.
Hoje a vida mudou de direção. Depois de quatro anos seguindo à esquerda do trevo, sigo a direita. Meu bonde sai mais cedo e tenho cerca de quinze minutos a mais de viagem. Ainda não tenho minha cozinha para fazer terapia, mas pelo menos não estou nas estatísticas do companheiro da Silva. É, os ventos mudaram e eu virei gente. Adicionei ao itinerário da vida mais um ponto do GPS.
16/08/2010 – 21h19min
Mais dias se passaram, mais coisas aconteceram e assim mais detalhes da minha história foram se perdendo. Pela terceira vez paro para escrever no blog e realmente não posso dar-lhes a certeza que hoje conseguirei contar tudo o que pretendia. Trocando em miúdos, antes que troque o ano e eu não consiga terminar essa postagem, finalmente encontrei a menina que roubou meu livro. É uma menininha sardenta e simpática, de apelido Chuchu. Chuchu também havia esquecido-se do empréstimo e numa conversa despretensiosa de fim de tarde, regada a um mate cevado, enquanto me lamuriava pela tristeza que sentia devido a falta que aquela menina me fazia, Chuchu arregalou-se e disse: mas a menina está comigo! E de repente, não mais que de repente, do pranto fez-se riso. Ufa, meu coração pôde agora sossegar tranquilamente.
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