Sábado, como há muito tempo não fazia, coloquei meus óculos grossos, sentei no sofá, e abri o jornal. Eis que entre matérias como o alto custo da produção agrícola no país e a iminência de uma crise econômica mundial, encontro um texto do jornalista David Coimbra. Aposto que não foi por acaso que meus olhos passaram pelo texto e se interessaram em lê-lo. Segue abaixo a crônica:
Fazia calor, e ele sorria
Fazia calor, e ele sorria
Era uma dessas tardes de canícula que
faziam pensar sobre os milênios que o ser humano atravessou sem
ar-condicionado. Como conseguimos? Como chegamos até aqui?
Havia deixado o carro num estacionamento, já ia
alcançando a calçada, quando o vi. Estava dentro da guarita da portaria, uma
dessas casinholas onde mal cabe uma pessoa. Era um homem de pele negra luzidia,
de certa idade, imaginei que tivesse filhos e netos. Suava às catadupas dentro
do uniforme. Só de vê-lo fiquei com calor. Estiquei o pescoço e brinquei, meio
em solidariedade, meio para lhe aliviar o sofrimento:
– Vida dura...
Ele abriu um sorriso.
– Nem tanto – respondeu com animação
surpreendente para aquele dia pastoso. – Pior seria se não tivesse trabalho.
Além disso, economizo com sauna!
E atirou de dentro do seu esconderijo uma risada
de satisfação com a própria piada.
Despedi-me dele sentindo-me bem. Ali estava um
homem que sabia viver. Fosse outro, passaria se queixando do emprego inferior à
sua dignidade, do salário inferior ao seu merecimento, do chefe que o colocara
ali por perseguição, do governo que não o amparava por incompetência.
Na verdade, pouco interessa a condição em que
alguém se encontra. Se o ambiente é desta ou daquela forma. É difícil encontrar
duas pessoas que, estando na mesma situação, vivam no mesmo mundo. O interior é
que vai fazer com que o exterior seja positivo ou negativo.
Você pode constatar isso todos os dias. Em tudo
e em todos há coisas boas e ruins. Você é quem escolhe o que vai pegar para
você. E a sua escolha depende do que você é. Pessoas boas enxergam o lado bom
das outras pessoas e alegram-se com isso e tornam a convivência leve. Mas há
quem só veja os defeitos dos outros e assim os defeitos se aprofundam,
tornam-se mais graves e mais feios, e a convivência fica pedregosa. Ou seja: a
responsabilidade não é de quem é julgado, é de quem julga. As coisas não são
bonitas à sua volta? Olhe para dentro. Talvez lá é que elas sejam feias.
Como o brasileiro vê o Brasil e os governantes
do Brasil?
Parece que houve gente enriquecendo com as
privatizações do governo tucano, leio isso na Carta Capital. Parece que nunca
houve tanta corrupção como a que grassa no governo petista, leio isso na Veja.
A impressão é de que o Brasil afunda num mar de lama, para repetir a expressão
de Vargas.
Mas não é bem assim. O Brasil melhorou de Itamar
Franco para cá. São 18 anos de estabilidade econômica e política, o que resta
provado até pela quantidade e pela profundidade das denúncias de corrupção, que
antes havia, mas não aparecia.
Então, por que o brasileiro não se comporta mais
como aquele homem cordial e fagueiro de tempos muito piores, como, por exemplo,
os tempos do mar de lama de Vargas? Por que o brasileiro não percebe que o
Brasil evoluiu? Será que o brasileiro “piorou”? Ou será que há mais homens como
o vigia do estacionamento, suando em silêncio, mas contentes com a vida?
* Texto publicado na Zero Hora, 16/12/2011
* Texto publicado na Zero Hora, 16/12/2011
Me surpreendi com a leitura, eu que reclamo tanto da vida, das situações impostas, do calor, do frio, e o sujeito me diz que pior seria se não tivesse emprego. Creio que este seja o grande defeito da humanidade: reclamar. Reclama-se no twitter, reclama-se no facebook. Nunca fui uma pessoa otimista, desde a escola, sempre esperava o pior resultado nas provas, pois se fosse mal realmente, não me surpreenderia. E assim é com as coisas da vida. Senti como se tomasse um murro no meio da cara, como se David Coimbra estivesse escrevendo para mim e dizendo: Acorda Priscila, você não vai sair para brincar? Venha brindar um novo dia. O
sol nasceu, o céu está azul. É tudo lindo como você. Pois é, não quero dizer que acordei achando tudo perfeito, mas, após este texto, garanto que estou refletindo melhor sobre meus próprios conceitos.
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