quarta-feira, 19 de maio de 2010

Uma chance de ser piegas

O inverno chegou definitivamente no meu pago e como tenho imensa adoração por essa época do ano, não posso deixar de comentar aqui. Definitivamente eu não sei explicar que tipo de sensação eu sinto quando caminho sozinha pela rua, com o vento batendo vadio no meu rosto. Talvez eu seja sentimental demais e convido a seguir-me quem também se sente nostálgico com o inverno e todos os detalhes e pieguices que ele abarca. No inverno me atenho mais as minúcias e enxergo poesia em cada coisa que vejo. Não existe descrição para a euforia que tenho quando saio de casa e sinto o cheiro forte da lenha virando cinza no fogão do vizinho. Me sinto tão livre quando o frio escorrega na pele seca do meu rosto e é tão estranho sentir-se livre, pois na verdade, somos livres, mas nessa hora é diferente. Diferente como? Não sei explicar. Porque a cor das folhas laranjas da árvore são tão lindas? Porque tenho vontade de plantar uma árvore destas no meio de casa, no meu jardim de inverno? Minhas manhãs seriam mais amistosas, se ao acordar eu admirasse as nuances das folhas queimadas! E tem mais: coisas banais, diárias, cotidianas, todas elas parecem cenas de um filme antigo. É, eu me sinto dentro de um filme as vezes durante o inverno. Hoje, indo para casa, com as mãos cansadas de carregar as sacolas, logo depois de passar pela árvore com folhas cor de abóbora, avistei uma menininha loira, timidamente apoiada no beiral da janela do andar de cima, se não me engano vestia uma blusa cor de rosa e azul. De repente percebi que ela tinha nas mãos uma flauta doce, cor de mafim. Apesar do esforço, a menininha entoava notas tortas, descompassadas, faltava-lhe o fôlego, eu acho. Não me contive e não tirei os olhos da janela, intimidando-a, ela percebeu e recuou, escondeu-se do meu olhar de inverno. Mais alguns passos a frente, a menininha da blusa rosa e azul da janela do segundo andar tentou espiar com o canto do olho, com certeza para verificar se meus olhos ainda a perseguiam. Eu já estava longe, precisava voltar a olhar para o chão, ou se não acabaria tropeçando e meu saco de bergamotas acabaria espalhado pela rua toda. Mas depois de uma esquina, sentindo o sol baixar devagarinho no horinzonte, eu ainda ouvia o som da tímida flauta.. Acaso estas experiências fossem vividas pela Adélia Prado, por exemplo, tornariam-se poemas de uma antologia famosa, e eu as leria com prazer...

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